Clássicos que não devem ser publicados


Doloroso, porém não publique os clássicos.
Dolente Declinare - Diário Mínimo, Bompiani (1972) 2a. ed. pág. 142. - Rapporti di lettura all´editore.
Tradução de Antonio Brito.
agradeço correção e comentários , abrito1953@gmail.com
Texto em italiano abaixo. (Comentários)
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Anônimo - A Bíblia.

Confesso que ao começar a ler os originais e durante as primeiras páginas fiquei entusiasmado. Tudo é ação e tem o que o leitor de hoje exige de uma obra de evasão: sexo (muito), com adultério, sodomia, homicídio, incesto, guerras, etc. O episódio de Sodoma e Gomorra, com os travestis querendo violentar os anjos, é digno de Rabelais. As histórias de Noé são o mais puro Emilio Salgari (popular escritor italiano 1862-1911); a fuga do Egito é uma história que, mais cedo ou mais tarde, acabará sendo filmada. Em resumo, trata-se do verdadeiro roman-fleuve (romance em vários tomos com personagens presentes em diferentes obras) e bem estruturado, que não economiza efeitos, pleno de imaginação, com uma dose de messianismo que agrada, sem chegar ao trágico. Mais adiante, no entanto, percebi que se trata, na verdade, de uma antologia de vários autores, com muitos, excessivos, trechos de poesia, alguns francamente lamentáveis e aborrecidos, uma choradeira sem pé nem cabeça. O resultado é monstruoso, corre-se o risco de não agradar a ninguém por ter de tudo. Será difícil definir os direitos autorais de tão diferentes autores, a menos que o representante de todos se encarregue da tarefa. Mas nem no índice encontrei o seu nome, como se houvesse da parte dos autores interesse em manter seu nome oculto. Talvez fosse possível publicar separadamente os primeiros cinco livros. Estaríamos pisando em terra firme. Com o título: Os Desesperados do Mar Vermelho.


Homero Odisséia.

Em particular, gostei do livro. A história é bonita, apaixonante e cheia de aventuras. Tem tanto de amor que basta a fidelidade conjugal e as escapadas (boa a figura de Calipso, uma verdadeira devoradora de homens), há ainda o momento "lolístico" ( Lolita de Nabokov) com a menina Nausicaa em que autor "diz e não diz" tudo junto fica excitante. Contém alguns golpes de cena, como gigantes de um olho só, canibais, e até mesmo um pouco de droga, o suficiente para evitar os problemas com a justiça, pois tanto quanto eu sei o lótus não é proibido pela lei antidrogas. As cenas finais são o melhor, parece um filme de bang-bang. A luta é feroz, a cena do arco parece ter sido feita por um mestre do gênero de suspense. O que posso dizer? Lê-se de um único fôlego, bem mais rápido que o primeiro livro (Ilíada). Na Ilíada tudo é muito lento e a insistência de ficar imóvel em Troia não acompanha os eventos, além disso depois da terceira batalha e do décimo duelo o leitor já entende o mecanismo da narrativa. Já vimos que a história de Aquiles e Pátroclo, com uma ponta de homossexualidade enrustida, já nos deu problemas com a justiça. Neste segundo livro, isto não acontece, toda a narrativa é maravilhosamente rápida e o tom é mais calmo, bem pensado e até reflexivo. Além disso a montagem, a retrospectiva das histórias interligadas fazem sentido.

Quero dizer que é um escritor de alto nível este Homero, realmente ele é muito bom. Eu até me pergunto se isso tudo é de sua própria criação. Claro, claro, é verdade que quando mais se escreve o texto melhora (quem sabe que o terceiro livro não seja um best-seller), porém desconfio que, e isso me levará a dar um parecer negativo, será o caos no que diz respeito aos direitos autorais. Falei com o Editor chefe e não encontramos saída. Em primeiro lugar, não se encontra o autor. Aqueles que o conheciam dizem que era cansativo discutir com ele qualquer modificação no texto, por menor que fosse. Deve ter sido difícil discutir com ele sobre as pequenas alterações a serem feitas no texto, pois enxerga mal, tem um olho só, é uma toupeira, não segue o manuscrito, e deu a impressão que não conhecia bem o texto. Citava os versos de memória, nada garante que tinha sido escrito desta forma, e é bem provável que o copista tenha interpolado alguns versos. Foi ele mesmo que escreveu ou foi apenas uma figura decorativa?

Não é de todo ruim a reforma do editor pois revisar os originais tornou-se uma arte e muitos livros editados saem diretamente das mãos do editor e muitos são escritos por várias mãos, existem escritores, (por exemplo Fruttero (1926-2012) e Lucentini (1920-2012) construíram a dupla F&L que sob a direção de Giulio Einaudi publicaram vários romances populares - “gialli” na década de 60) que escrevem a quatro mãos e são um sucesso editorial. Porém este segundo livro tem muitas ambiguidades.

O Editor diz que os direitos não são de Homero. Quem sabe outros poetas queiram uma parte dos direitos autorais? Um agente literário grego por sua vez diz que os direitos devem ser dos rapsodos (poetas populares) locais que fizeram um trabalho difícil, porém não se sabe se registram seu texto na sociedade local de autores. Um agente de Esmirna (cidade grega próxima a Troia) por seu lado diz que os todos os direitos são de Homero e, como está morto, logo sua cidade tem o direito de confiscar o espólio. Porém não é somente essa cidade que tem essa reivindicação. A impossibilidade de definir se e quando o autor morreu, impede a utilização da lei de 1943 sobre o direito autoral dos trabalhos publicados cinquenta anos após a morte do autor. Agora se aparece um tal de Callino (alusão ao poeta Grego que escreve uma epopeia semelhante à de Homero, porém a obra se perdeu. Pausania registra que Callino atribui esse poema perdido a Homero) alegando ter todos os direitos não só da Odisséia mas dos poemas cíclicos Tebaides, Epígonos e Ciprie (fragmentos de poemas de diversão que se perderam), poemas inferiores e muitos duvidam que sejam mesmo de Homero. E então, nessa série onde colocá-los? Essa gente agora só vê o dinheiro e a especulação. Tentei pedir um prefácio para Aristarco de Samotrácia (gramático e bibliotecário em Alexandria no Egito ao redor de 150 anos antes de Cristo, um dos críticos mais detalhistas da obra de Homero), que tinha autoridade, e também sabe como fazê-lo, porque ele iria colocar as coisas com rigor, mas isto é pior do que caminhar no escuro: ele quer estabelecer, dentro do livro, o que é autêntico e o que é falso, talvez coubesse em uma edição crítica, e o que buscamos é uma obra com apelo popular. Então é melhor deixar tudo para Ricciardi (Riccardo Ricciardi - Napoli 1879-1973; editor dos clássicos em edição de luxo ) publicar, que demora uns vinte anos, faz qualquer coisa que custará doze mil liras (120 euros) e coloca uma dedicatória ao diretor do banco. Em resumo, se nos lançarmos nessa aventura entraremos em um atoleiro judicial que não sairemos mais, o livro será retirado de venda, mas não será daqueles que podemos vender anonimamente como os de sexo, será uma perda pura e simplesmente. Quem sabe daqui uns dez anos a editora Mondadori adquira os direitos de publicação para a série Oscar (Oscar Mondadori, clássicos gregos e latinos), porém até lá gastaremos no investimento e o retorno demora muito. Lamento muito, porque o livro tem méritos. Mas não podemos, também, chegar a publicar romance policial. Da minha parte acho melhor perder tudo e não publicar.


Dante Alighieri. Divina Comédia.

O trabalho de Dante, considerando que ele é um autor amador típico, pois na vida profissional é um farmacêutico, demonstra, sem dúvida, um certo talento técnico e um notável trabalho de fôlego narrativo. O texto - em dialeto de Florença vulgar - se compõe de quase cem poemas com rimas de três versos. É interessante desde o início da leitura. Pareceu-me particularmente saborosas as descrições de astronomia e certas opiniões teológicas. A terceira parte do livro (O Paraíso) é mais fácil de se ler e mais ao gosto popular, pois diz respeito aos interesses comuns de um eventual leitor que se emociona com a Salvação, a Visão Divina e a prece à Virgem. A primeira parte é obscura e pouco realista, com inserções de baixo erotismo, violência e passagens reais e escandalosas. Esta é uma das muitas contra-indicações. Não sei como o leitor poderá superar a primeira "parte - O Inferno" que, na criação da narrativa, não diz mais do que já está em uma série de manuais do submundo, tratados morais sobre o pecado, ou na Legenda Áurea do Frei Jacopo da Varagine (contemporâneo a Dante 1228-1298, a Legenda Áurea é anterior à Comédia, escrita em latim descreve as lendas sobre a vida dos santos). Mas a principal contra-indicação é a escolha do dialeto toscano, o que demonstra uma pretensão vanguardista. Que o Latim contemporâneo deva ser inovado é um requisito geral e não apenas dos grupinhos de vanguarda literária. Porém tudo tem limite, se não das leis da linguagem, ao menos da capacidade de aceitação pública. Já vimos o que aconteceu com a operação dos chamados "poetas sicilianos" (alusão à Scuola Siciliana que ao redor de 1200 produz uma poesia lírica escrita em siciliano, introdutora do soneto na Itália) que a editora teve que distribuir rodando por várias livrarias e acabou encalhado. Por outro lado, se você começar a publicar um poema em dialeto Toscano, então você terá que publicar também na língua de Ferrara e outra na de Friuli, e assim por diante, se você quiser abranger todo o mercado.

É uma atividade de risco para livrinhos publicados para uma vanguarda, porém não é possível jogar fora em um livro monstruoso como esse. Pessoalmente nada tenho contra a rima, porém o verso com métrica ainda é o mais popular entre os leitores de poesia. Eu me pergunto como um leitor comum poder suportar este defeito nos tercetos traindo o dialeto, um tipo por exemplo que nasceu em Milão ou Veneza? Talvez seja mais prudente lançar uma série popular que possa ser vendido a preço módico da Mosella de Decimo Magno Ausônio (poeta romano 310 - 395, escreve em latim vulgar Mosella um descrição de viagem à França - Mosel) e o Canto de Modena (composto no século 10 composição lírica latina anônima que servia para o canto dos soldados protetores de Modena). Deixamos pois para essas revistinhas de vanguarda as edições numeradas da Carta Capuana (manuscrito de 946 considerado o primeiro em italiano vulgar) "sao ko kelle terre ..." (“So che quelle terre” - Eu conheço essas terras..). Que bobagem, essa salada linguística desses ultra modernos.

Torquato Tasso (1544-1595). Jerusalém libertada (1575).

Como um poema "moderno" de cavalaria até que não está ruim. Escrito com elegância, os vários relatos são inéditos.

Chegou o momento de dar um basta. Era hora de parar com as cópias do ciclo da novela de cavalaria bretão (refere-se à descrição dos reis lendários da Inglaterra como o Rei Arthur) ou carolíngia ( descreve as aventuras associadas à história da França, Carlos Magno, como Aventuras de Rolando, de grande circulação no século 11). Porém vamos ser claros: a história diz respeito aos cavaleiros das cruzadas e da tomada de Jerusalém, logo a narrativa tem um caráter religioso. Não podemos ter a pretensão de vendê-lo para jovens ingênuos, a não ser se for para uma revisão crítica da "A Família Cristã" (“famiglia cristiana” revista católica com mais de um milhão de tiragem nos anos sessenta) ou "Gente" (revista ilustrada do mundo do espetáculo de grande circulação). Neste ponto, me pergunto: como tratar de certas cenas eróticas um tanto "lascivas"? Minha opinião é que devemos publicá-las, desde que o autor faça uma revisão do texto e também que inclua poemas inocentes capazes de serem lidos por freiras. Como já falei do mérito, não sou totalmente contra, desde que se faça uma revisão adequada.

Denis Diderot (1713-1784) As jóias indiscretas (1748) e A religiosa (1780).

Confesso que não encontrei nenhuma dificuldade nesses manuscritos porém creio que um crítico deva saber à primeira vista o que se deve ou não ler. Este Diderot conheço bem, é um daqueles que escreve enciclopédias (uma vez corrigiu até um manuscrito nosso) e agora tem na mão um trabalho enorme, de não sei de quantos volumes, que provavelmente nunca será publicado no todo (“L’Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers - projeto iniciado em 1728, o primeiro volume foi publicado em 1751 e o volume 19 em 1772 - com primorosas ilustrações). Ele anda em busca de ilustradores capazes de reproduzir o interior de um relógio ou fio de uma tapeçaria de Gobelin e levará seu editor à falência.

​ É um escritor lento e cuidadoso fechado em si mesmo e não acredito que seja um autor capaz de adaptar-se para escrever uma narrativa de diversão, para uma série como a nossa baseada em obras suaves, delicadas, com uma pitada sexual como Restif de la Bretonne (1734-1806, autor do romance pornográfico L´Anti-Justine (1798)).

Como se diz meu país, "ofelé fa el to mesté" (ditado da Lombardia - terra de U. Eco, Offellee, fa el tò mestee - Pasticcere fa il tuo mestiere. Cozinheiro, faça somente o que sabes).

François D. A. Sade (1740-1814). Justine (1787)

O manuscrito estava no meio de outros que fui obrigado a ler essa semana e sinceramente não lido tudo. Abri três vezes aleatoriamente, em três lugares diferentes, e você sabe que, para um olho treinado, basta. Na primeira leitura encontrei uma massaroca de páginas sobre a filosofia da natureza, com descrições sobre a crueldade da luta pela vida, a reprodução das plantas e animais. Na segunda li ao menos umas quinze páginas sobre prazer sexual, sentidos, imaginação e coisas do tipo. Na terceira outras vinte páginas sobre os relatos de submissão entre homem e mulher nos vários países do mundo ... Para mim, basta. Não a procura de textos filosóficos, o público de hoje quer sexo e mais sexo, inclusive com todos os ingredientes. Devemos publicar algo na linha de Os amores do senhor de Faublas (romance libertino de memórias publicado entre 1787-1790).Os livros de filosofia deixemos que a Laterza os publique. (Editora fundada em 1901 dedica-se à publicação de ensaios filosóficos, como os de Benedetto Croce (1866-1952)) e a série Clássicos da filosofia moderna).

Miguel de Cervantes ( 1547-1616) Dom Quixote (1605-1615).

O livro, nem sempre legível, é a história de um cavalheiro espanhol e seu escudeiro que viajam pelo mundo perseguindo fantasias cavalheirescas. Este Dom Quixote é um pouco "maluco" (a descrição é completa, Cervantes certamente sabe como fazê-la), enquanto o escudeiro é um simplório com um bom senso rudimentar, com quem o leitor logo se identifica e que procura desmistificar as crenças fantásticas de seu cavaleiro. A história se desenrola com um bom toque de cena várias delas são sugestivas e engraçadas. Porém a observação que gostaria de fazer vai além de um juízo pessoal. Na nossa série econômica e bem-sucedida "Os fatos da vida" publicamos com notável sucesso o Amadis de Gaula ( obra de cavalaria em espanhol de autoria desconhecida e de grande circulação à época de Cervantes), a Lenda do Graal (várias versões baseadas no romance medieval de Chrétien de Troyes -1191), a novela de Tristan (lenda do século 12 do ciclo do rei Arthur,com várias adaptações em italiano), o Lai dell'Uccelletto (Poesias do Passarinho - tradução em italiano do poema francês Lai de L'Oiselet do século 12), o romance de Chrétien de Troyes Érec e Enida (escrito em 1170 em francês no ciclo das lendas do rei Arthur). Em seguida temos a opção de publicar os Reis de França daquele jovem Barberino (Andrea da Barberino, 1370-1432,uma das primeiras narrativas com a técnica de se basear em um manuscrito mais antigo) que será o livro do ano e porém não será candidato ao prêmio Campiello (prêmio literário da região de Veneza, criado em 1963, no qual um grupo de críticos indicam cinco livros dentre os quais um será selecionado por um júri popular. Umberto Eco nunca foi indicado, o que denota uma dose de ironia), pois é do gosto popular. Agora se consideramos Cervantes vamos lançar um livro que, por mais belo que seja, desacreditamos toda a série publicada até agora e todas a obras já publicadas serão uma farra de manicômio (Como Dom Quixote é um cavaleiro louco, levando-o a sério, as outras narrativas cavaleirescas é que passam a ser coisa de louco). Compreendo a liberdade de expressão, o clima de protesto e as coisas como estão, porém simplesmente não podemos eliminar aquilo que foi bem sucedido. Além disso me parece que esse livro será coisa de uma única obra típica, o autor acabou de sair da prisão, está acabado, nem sei se lhe cortaram um braço ou uma perna (Cervantes foi para a prisão em 1597 e em 1605 publica o primeiro volume de Quixote, perdeu o movimento da mão esquerda na batalha de Lepanto), não parece ter vontade de continuar a escrever outro romance do tipo (ao contrário, a segunda parte é publicada em 1615). Eu realmente não gostaria de comprometer uma linha de publicação que é popular, moral (digamos quanto à pureza) e rentável somente pela pressa de publicar novidades a todo custo. Recusar a publicação.

Alessandro Manzoni (1785-1873)- Os Noivos (1827)

Nos dias de hoje os romances em sequência de tomos (“feuve-roman”) são os mais vendidos, se levarmos em conta a tiragem. Porém cada romance é um romance. Se levássemos em conta O Castelo dTrezzo (Il Castello di Trezzo (1826) primeiro de uma série de romances de sucesso de público ) de Bazzoni (Giambattista Bazzoni (1803-1850 - contemporâneo de Manzoni) ou Margarida Pusterla ( Margherita Pusterla, 1838, romance histórico com semelhança ao romance de Manzoni) de Cantù (Cesare Cantù (1808-1895) autor, político e historiador sua obra História Universal (1972) tem 20 volumes) teríamos alguma coisa a oferecer como livro de bolso. São livros que foram lidos, que o serão daqui duzentos anos, pelo fato de tocar o coração do leitor, escritos em linguagem clara e convincente, não mascaram suas origens regionais, e falam sobre questões contemporâneas, ou que os contemporâneos assim percebem, como as tais lutas comunitárias ou discordâncias feudais. Manzoni, ao contrário, em primeiro lugar define seu romance no século dezessete, um época de nenhum interesse ao leitor de hoje. Em segundo lugar, tenta uma operação linguística controversa, elaborando uma espécie de dialeto milanês-florentino que não é nem carne nem peixe, e que certamente eu não recomendaria aos jovens como modelo para composições escolares. Mas estas ainda são pequenas falhas. O fato é que nosso autor se baseia uma história aparentemente popular, em um estilo e numa narrativa de baixo nível, de dois pobres jovens que ficam noivos porém não podem se casar por impedimento de um senhor feudal local qualquer; ao final eles se casam e todos ficam felizes. É muito pouco para as seiscentas páginas que o leitor deve engolir. Além disso, com o ar de fazer um discurso moralista e oco, Manzoni fornece-nos a cada passo um pingo de pessimismo (jansenista, vamos ser honestos), e ao final faz longas reflexões melancólicas sobre a fraqueza humana e vícios dos italianos, em dissonância com um público que deseja cada vez mais histórias heroicas, o ardor de um Mazzini, talvez o entusiasmo de Cavour, mas certamente nada de sofisma sobre um "povo de escravos" que eu preferiria deixar para o Sr. Lamartine (Alphonse de Lamartine (1790-1869) poeta e escritor, pilar do romantismo na França e político participante da revolução 1840 que funda a segunda república francesa). Essa visão intelectual de problematizar qualquer coisa de suspeito não ajudará a vender livros, não é uma virtude entre nós latinos. é mais uma moda dos franceses. Veja a "Antologia" publicada anos atrás, quando o Romagnosi (Domenico Romagnosi, 1761-1835) liquidou em duas pequenas páginas (uma alusão a Opuscoli filosofici um dos vários volumes sob uma filosofia positivista que é publicado na Itália até o presente, em série de auto-ajuda) a pretensão daquele Hegel ( 170-1931 - filósofo central do idealismo alemão com influência em Marx, Nietzsche e na psicanálise) que hoje na Alemanha é um ser superior. Nosso público quer coisa bem diferente. Óbvio que não deseja narrativa que interrompe a todo momento para o autor desenvolver uma digressão filosófica, ou pior para fazer um texto que é uma colagem pretensiosa , montando dois grupos de textos do século dezoito através de um diálogo meio em Latim e disto tirando uma fala pseudo popular que lembra mais o Bertoldo (personagem da série As astúcias de Bertoldo, publicada em 1620, um camponês esperto) de saudosa memória,com heróis que alimentam o lado positivo que o público deseja. Logo após a leitura daquele livrinho ágil e saboroso que é o Niccolò de Lapi, (1841, de Maximo d’Azeglio, romance histórico da lutas de famílias em Florença ao redor de 1529) comecei a ler Os Noivos com muito esforço. Basta abrir a primeira página e ver como o autor procede para descrever as paisagens, com uma sintaxe complexa e labiríntica, de tal forma que você não consegue entender de quem ele está falando ao mesmo tempo tudo de modo sintético e alusivo, "Uma manhã, das partes de Lecco ...". Porém, de qualquer forma, nem todo mundo tem o dom de narrar, muito menos de escrever bem em italiano. Por outro lado, não é que falte qualidade ao livro. Contudo saiba que será difícil vender toda a primeira edição.

Marcel Proust (1871-1922). Em busca do tempo perdido (1906-1922).

Sem dúvida é uma obra que exige empenho na leitura, talvez um pouco longa porém fazendo uma série de livros de bolso possa vender. Entretanto do jeito que está não vai dar certo. É preciso um trabalho de edição robusto: por exemplo, toda a pontuação deve ser revisada. Os períodos são longos e cansativos, há alguns que tomam uma página inteira. Com um bom trabalho de revisão talvez reduza o fôlego para duas ou três linhas cada, dividindo os capítulos, voltando para o título do capítulo mais frequentemente, seguro que o texto poderá ser melhorado. Se o autor não estiver presente melhor é não procurá-lo e deixá-lo se perder. Desse modo o livro é - como posso dizer - muito asmático (alusão à doença de que Proust sofria).

Immanuel Kant (1724-1804). Crítica da razão prática (1788).

Li esse livro a pedido de Vittorio Saltini (Crítico literário e professor de filosofia, colaborador, como Eco em l´Expresso entre os anos 60 e 80. (1934-2014)), que me disse que este Kant não é lá muito importante Em todo caso,li de um só fôlego. Para a nossa série de filosofia não é um livro muito grande sobre a moral e poderia vender bem, talvez fosse adotado por alguma universidade. Porém o obstáculo é que o editor alemão disse que caso quiséssemos publicá-lo deveríamos em nos empenhar para publicar não somente as obras precedentes, que uma coisa imensa ( Crítica da razão pura, 1781), de ao menos dois volumes, mas também aquela que Kant está escrevendo, que nem sei bem se é sobre arte ou juízo (Crítica do julgamento, 1790). Os três trabalhos têm quase o mesmo título, logo devem ser vendidos agrupados, (e o preço ficará muito alto), do contrário o leitor ao vê-lo na livraria irá confundi-los e dizer: “este eu já li”. Será como aconteceu com a Summa (Suma Teológica 1265-1263, três partes em 2669 capítulos comentando 512 questões) daquele dominicano (Tomás de Aquino (1225-1274) que começamos a traduzi-la e depois tivemos que desistir dos direitos para Marietti (editora de 1820, publica a obra completa de Tomás de Aquino em Latim) porque custou demais. E tem mais, o agente literário alemão disse-me que também devemos nos comprometer a publicar as obras secundárias deste Kant, que são um monte de coisas e há até algo de astronomia. Antes de ontem, tentei falar com o autor por telefone que está em Könisberg, para verificar se ele concordava em publicar único livro, uma mulher me atendeu e disse que naquela hora ela não estava disponível, e avisou-me para não telefonar-lhe entre cinco e seis horas pois era hora de sua caminhada habitual, nem entre três e quatro horas, porque era a hora em que ele fazia a soneca diária (alusão aos hábitos e à pontualidade "germânica" de Kant), e assim por diante. Particularmente não vejo problemas em lidar com pessoas desse tipo, desde que não tivéssemos uma sala de livros de encalhe.

Franz Kafka (1883-1924. O Processo (1914-1925).

Até que o livrinho não é ruim, é um livro de bolso policial que se vende em bancas de jornal, às vezes lembra um Hitchcock; por exemplo o assassinato no final, pois têm leitores que gostam de mistério. Porém parece que foi escrito sob censura. Por que as alusões são imprecisas, não têm nomes de lugares nem de personagens? Por que o protagonista está sob julgamento? Caso esses pontos forem melhor esclarecidos, o ambiente melhor definido, e fornecendo fatos reais, a narração será mais bem definida e o suspense garantido. Esses jovens escritores acreditam que fazem "poesia" só porque dizem "um homem" em vez de dizer "Fulano de tal, em tal momento”... Bem, se for possível modificá-lo, tudo bem, do contrário eu não pegaria para publicá-lo.


James Joyce (1882-1941). Finnegans Wake (1939).

Por favor, avise à redação de prestar mais atenção quando enviar um livro para ser lido para publicação. Sou um leitor de língua inglesa, porém me mandaram um livro que nem sei que diabo de língua foi escrita. (uma alusão às diversas línguas no texto). Retorno o volume em um pacote à parte.