Poema de sete faces -
Carlos Drummond 1928
para Elza Conceição
Drummond A Revista - 1925
Fase 1. Nascimento e caminho na vida
quando eu nasci↑, um anjo torto. ↓
desses que vivem na sombra.↓
disse: Vai↑, Carlos! ser gauche na vida↓
Ao nascer, brota uma esperança. Acredita-se no anjo da guarda, um protetor ao longo da vida. Um anjo torto é o contrário: desviará o poeta do caminho simples e reto. Porém, como um demônio, dirá coisas ao poeta que desconhecemos.
Os anjos são emissários de luz, esses o contrário, como Lúcifer, vivem na sombra.
E o anjo disse: Vai, Carlos! abrindo um novo caminho pleno de esperanças.
O contraponto é: Ser gauche na vida. O poeta não terá uma vida fácil qualquer.
Gauche em Francês pode ser entendido como “maldroit”, uma falta de endereço, um caminho incerto e desconhecido.
Drummond volta à questão da infelicidade de seu nascimento no poema :
“ nasci em Itabira, por isso sou triste...e o hábito de sofrer que tanto me diverte, é doce herança itabirana”.
Fase 2. O menino descobre o sexo.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul↑,
não houvesse tantos desejos↓
O menino descobre o sexo,através das frestas e janelas. Dentro delas ficam a espiar e a fofocar sobre os homens adúlteros. Tudo estaria bem, como em uma tarde calma de céu azul, não fosse o desejo que brota da carne.
No poema
Casamento do Céu e do Inferno,
do mesmo livro,o mesmo tema: “No azul do céu de metileno..Diabo espreita por uma frincha… e a carne penetra na carne.”
Azul de metileno denota o farmacêutico Carlos Drummond que se formou e nunca exerceu a profissão.
Fase 3 - O jovem na cidade grande - novos horizontes.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.↑
Porém meus olhos
não perguntam nada.↓
Aos dezoito anos Drummond muda-se para Belo Horizonte. Conhece a modernidade, o bonde e Mário de Andrade que visita a cidade em 1924.
As mulheres elegantes usam meias coloridas, vão sentadas no bonde aberto mostrando as pernas.
Belas e inacessíveis, só podem ser admiradas pelo jovem estudante, coisa que não existia em Itabira:
“ a vontade de amar.. vem de Itabira, sem mulheres e sem horizontes”.
Fase 4: O jovem transforma-se em um homem sério.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.↑
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos↓
o homem atrás dos óculos e do bigode
Na quinta fase da vida Shakespeare propõe
um homem de bigode, conforme a foto.
A fotografia ilustra o poeta reservado, sério, simples e forte.. Dentre os raros amigos, Pedro Nava assim descreve Carlos:
“a face descarnada, a boca bem desenhada meio encoberta pelos bigodes de época”. Memórias/4,
Fase 5: A perda do filho, torna fraco o homem forte.
Meu Deus, por que me abandonaste↓
se sabias que eu não era Deus,↓
se sabias que eu era fraco.↓
Carlos Drummond tinha perdido um filho que viveu poucas horas. Esta evocação representa a dor de um pai que perde o filho.
Em Mateus, 27:46 - já na cruz, o filho de Deus, Jesus, reclama ao Pai:
“Meu Deus, por que me abandonaste”.
A dor de Jesus, Deus - Filho, pede ao Pai: Por que me deixaste morrer assim? é a mesma de Drummond enquanto pai que perde o filho.
Jesus suportou esta prova, afinal ele era Deus, o poeta, porém, o poeta é humano e fraco, só os versos são capazes de expressar essa dor.
Fase 6 : Em busca do verso. O poema que não quero.
Mundo mundo vasto mundo↑
se eu me chamasse Raimundo↓
seria uma rima, não seria uma solução.↓
Mundo mundo vasto mundo,↑
mais vasto é meu coração ↑
Mário de Andrade em 1925 no artigo A escrava que não é Isaura, - Discurso sobre as tendências da poesia modernista" afirma - “Quanto à rima…. não se discute.”
Não seria difícil para Carlos construir versos com rimas do tipo (mundo / raimundo ou solução / coração). Porém não era esse o caminho da poesia modernista. A rima e a métrica não é a solução para esta nova poesia.
No editorial da Revista de 1925, para os céticos, Carlos Drummond é um dos editores, veja a foto, ironiza os poetas provincianos com suas métricas e rimas.
No conflito entre o interior humano e o mundo, por mais vasto que ele seja, a vida é maior. O que brota do coração é exclusivo do indivíduo, as coisas do mundo são compartilhadas por todos.
Como diz Alberto Caeiro em
“ poucos sabem qual é o rio da minha aldeia...e por isso, porque pertence a menos gente, é mais livre e maior o rio da minha aldeia”.
Fase 7: A confissão do poeta modernista.
Eu não devia te dizer↓
mas essa lua ↑
mas esse conhaque ↑
botam a gente comovido como o diabo.↓
Na prosa coloquial a poesia modernista encontra seu caminho natural.
A estrofe é uma colagem de emoções composta da Natureza (a lua), das coisas (o conhaque) e do indivíduo (a gente).
A expressão vulgar “como o diabo”, fecha a relação de intimidade entre poeta, poema e leitor.
Expulsando o poema de dentro de si o poeta alcança todos os leitores, abraça-os e torna-os cúmplices no sofrimento, aliviando sua própria dor.
As sete fases da vida
Descritas por Shakespeare
Shakespeare e Carlos Drummond - o paralelo na poesia
Contexto
Aos 26 anos de idade Carlos Drummond era redator chefe do Diário de Minas. Em uma edição especial no Natal de 1928, publica Poema de sete faces sob o pseudônimo de Carlos Alberto.
Em 1930 publica Alguma Poesia e esse poema foi escolhido para a abertura do livro, embora não tenha sido o primeiro a ser publicado em jornais. O Poema de sete faces está em todas as antologias e tem sido utilizado para análise por vários críticos.
Por que o número sete. ?
Porque sete são as fases da vida de um homem. Acreditava-se que sete eram as criações divinas e Shakespeare na peça As you like it - “como gostais” , descreve as sete fases da vida, Ato II, Cena 7 fala de Jacques
“All the world's a stage,
And all the men and women merely players:
They have their exits and their entrances;
And one man in his time plays many parts,
His acts being seven ages”
Somos atores representando um papel em uma comédia de sete atos.
Ao nascer somos uma criança que chora.
Na segunda fase um escolar que ser arrasta a contragosto para a escola.
Depois vem a fase do amor sonhado, o jovem escreve versos ao simples olhar da amada.
Na quarta fase é a luta, a bravura com as armas, em busca de uma fama tão fugaz como uma bolha de sabão.
Na quinta fase é um profissional que cuida do bigode, um juiz corrupto que se enriquece
No sexto ato é um velho, com os músculos flácidos e voz rouca de criança.
Não mais tem sabor pela vida, torna-se uma criança sem dentes.
Drummond segue Shakespeare e escreve um poema e associa as fases de sua vida até os seus vinte e seis anos. Ambos acreditam que “a vida não é para ser levada a sério”, que ela é uma comédia, na qual somos meros atores que estamos desaparecendo enquanto se desenrola os atos da vida, ou da peça.
Sete são as estrofes, cada uma descrevendo uma etapa de sua vida, em vez de sete faces podemos interpretar como sete “fases”.
Mário de Andrade e o Modernismo mineiro
Em 1924, quando da passagem da Caravana Paulista por Belo Horizonte, Carlos Drummond, juntamente com os parceiros Pedro Nava, Martins de Almeida e Emílio Moura vão visitar os modernistas. O Grande Hotel, onde o grupo estava hospedado situava-se na Rua da Bahia, corredor etílico-intelectual da cidade. A partir deste momento, inicia-se, formalmente, o modernismo mineiro, pois inovações literárias já eram buscadas pelo chamado grupo Estrela (frequentadores do Café Estrela e do Café do Ponto, em Belo Horizonte): escritores e jornalistas. Drummond destaca se, como seria comprovado posteriormente, como líder do grupo, e como dos parceiros mais inquietos e inovadores do projeto modernista.
A ideia da busca da tradição para uma melhor expressão da modernidade artístico-literária brasileira pode ser entrevista na rica correspondência estabelecida entre Mário e Drummond, iniciada ainda em 1924. Visando seduzir Drummond para uma visão mais otimista em relação ao país e mesmo à juventude, Mário convida o novo amigo a olhar para a realidade ao redor, para o cotidiano brasileiro, sem culpa, sem receio. Há, na estratégia, a percepção ao mesmo tempo artístico-cultural e político-cultural, pensando na valorização do homem comum diante de uma sociedade desigual.
Em 1925, Drummond lança, ao lado de Emílio Moura, Francisco Martins de Almeida e Gregoriano Canedo, "A Revista", publicação que se integra a outras de propostas modernistas surgidas no Brasil na década de 1920. O periódico teve três números e contou com a colaboração de poetas modernistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Drummond relata, em entrevista, que quando do surgimento de "A Revista" recebeu importante conselho de Mário de Andrade: "Você deve fazer uma revista compósita, uma revista misturada, em que o novo se misture com o velho" [3].